Chef de cozinha e professora viram motogirls para enfrentar pandemia

Profissionais mudam de profissão e enfrentam as ruas para manter família em meio à crise gerada pelo novo coronavírus

Camila diz que motogirls têm grupo de WhatsApp com 135 mulheres para se ajudarem
ARQUIVO PESSOAL

Camila Zanon tem 35 anos, é formada em gastronomia e atuava como chef de cozinha em uma churrascaria conceituada até o início da pandemia do novo coronavírus, no ano passado.

Com o salário reduzido – como muitos profissionais devido a uma medida do governo que permitiu alteração nos contratos de trabalho – e com uma moto na garagem, Camila não pensou duas vezes e mudou para o outro lado do balcão: o da entrega de comida.

Juntei o útil ao agradável. Meu pai estava com câncer, fazendo quimioterapia e precisava do meu apoio. O trabalho de motogirl me permite flexibilidade no horário e um bom rendimento.

Camila Zanon

Com o pai doente, um filho de 3 anos para criar e a mãe sem trabalhar também por causa da pandemia, Camila tentou vender marmitas e doces, mas o dinheiro não era suficiente para pagar as contas.

Por isso decidiu partir para a vida de entregadora de aplicativos. Camila afirma que com a nova função consegue um rendimento maior do que obtinha como chef de cozinha.

 

“Como chef eu ganhava R$ 3.500 e folgava apenas uma vez na semana e quando conseguia. Como entregadora, faço meu horário, folgo duas vezes por semana e ganho em torno de R$ 4.200 por mês.”

O número de mulheres que atuam como motogirls triplicou durante a pandemia, segundo o Sindicato dos Motoboys de São Paulo. Em 2019 eram 220 mil profissionais sendo apenas 1% deles mulher.

No ano passado, o número saltou para 305 mil e a participação de motogirls subiu para 3%.

Calor, chuva e falta de banheiro
As maiores dificuldades apontadas por Camila na profissão são o calor, chuva, falta de água para beber e banheiro para usar, já que a maioria é criada apenas para homens. “Às vezes não bebo água para não ter vontade de ir ao banheiro.”

A motogirl diz que a maioria dos porteiros dos prédios se surpreendem quando veem que “o entregador” é uma mulher. Os companheiros de profissão também ainda estranham quando uma mulher fica aguardando o pedido junto com eles, segundo Camila.

Apesar de todas as dificuldades, ela diz que não pretende largar a profissão quando a crise econômica passar. Já recebeu, inclusive, proposta de emprego para voltar a ser chef de cozinha, mas recusou.

Também conta que já conseguiu convencer três pessoas que trabalhavam com ela na cozinha a atuar como entregadora.

Camila diz que as motogirls são muito unidas. Há, inclusive, um grupo de WhatsApp com 135 participantes que trocam informações sobre o trabalho ao longo do dia.

“Uma vez roubaram a moto de uma de nós, um grupo de mulheres foram até a comunidade onde a tinham levado e recuperaram. Duvido que os homens façam a mesma coisa”, gaba-se.

Professora troca sala de aula por trabalho sob duas rodas
Dayane Cristine Miranda de Meireles, tem 32 anos, é formada em letras e educação física. Dava aulas em uma escola de Barueri, cidade da região metropolitana de São Paulo, até o início da pandemia.

Dayane quer voltar à antiga profissão assim que conseguir uma oportunidade – (Foto: Arquivo pessoal)

“Eu era contratada, mas havia prestado concurso na prefeitura da cidade para conseguir uma vaga fixa. Faltavam três ou quatro pessoas para serem chamadas antes de mim, para me chamarem. Com a pandemia, tudo parou”, lembra.

A professora chegou a mandar currículos para tentar vagas em áreas que já havia atuado como auxiliar administrativa e assistente de cozinha, mas não obteve sucesso.

Resolveu, então, financiar uma moto em 48 vezes – que soma prestações de R$ 400 por mês – e começou a fazer entregas.

Eu tinha CNH para pilotar moto, então decidi arriscar e venho conseguindo uma renda mensal de R$ 3,6 mil por 7 horas de trabalho. Na escola eu atuava durante 4 ou 5 horas.

Dayane Cristine Miranda de Meireles

Dayane também reclama que o ambiente do motofrete ainda é muito masculino.

“Não tem jeito, quando a gente chega, eles ficam olhando e a gente fica deslocada. Os porteiros também nos atendem como amigo ou camarada antes de tirarmos o capacete.”

Diferentemente de Camila, Dayane não vê a hora de voltar a lecionar. “O trabalho na rua é muito sofrido, não temos plano de carreira, perspectivas e ainda corremos risco todos os dias.”

Amor por moto virou profissão
Ellen Christina Teixeira Verona, tem 35 anos e atuava na área comercial do setor de AutoCenter até três anos atrás, quando ficou desempregada e decidiu “unir o útil ao agradável”, segundo ela.

Amo andar de moto e pensei: por que não ganhar dinheiro fazendo algo que gosto? E foi assim que fiz.

Ellen Christina Teixeira Verona

Ela, então, se cadastrou nos aplicativos “e saiu cortando São Paulo”, como diz.

“Nesse período eu conheci muitas pessoas e comecei a ajudar amigos fazendo fretes. Hoje tenho uma grande carteira de clientes e também atendo os apps.”

Ellen estuda para prestar concurso público na área criminal, outra paixão – (Foto: Arquivo pessoal)

Ellen diz que não teve dificuldades para ingressar na área de motofrete. “Talvez por ser mulher, passei mais credibilidade aos clientes e sempre foi um pouco mais fácil.”

A motogirls trabalha 4 horas a mais do que na outra profissão. “Isso, porém, não me incomoda porque faço meus horários e determino os dias de trabalho. Dessa forma, consigo descansar e garantir o que preciso.”

Apesar de gostar do que faz, Ellen tem outros planos para a vida. Nas horas vagas estuda para prestar concurso público na área criminal, outra de suas paixões.

“Até lá continuarei em cima da moto, depois irei me aposentar e ter boas histórias pra contar.”

Fonte: R7

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