Exoneração do cargo aconteceu horas após governo do estado emitir nota sobre episódio. Secretário comandava pasta desde 1° de janeiro de 2015.
O secretário de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, pediu exoneração do cargo, nesta terça-feira (3), dois dias após xingar a chef de cozinha Angeluci Figueiredo, do tradicional restaurante Preta, de “vagabunda”. A exoneração do cargo aconteceu horas após o governo do estado emitir uma nota sobre o episódio.
Conforme nota do governo da Bahia, o cardiologista entregou, nesta terça, uma carta com pedido de exoneração do cargo e a solicitação foi aceita pelo governador Rui Costa. Na carta, o médico agradeceu a confiança do governador e também desculpou-se por episódios recentes envolvendo a empresária Angeluci Figueiredo.
Fábio Vilas-Boas tem 54 anos e é graduado em medicina pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Residente e Doutorado em Cardiologia pelo InCor e pela Faculdade de Medicina da USP, além de Fellow do American College of Cardiology. Ele estava à frente da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) desde 1º de janeiro de 2015.
O governo ainda informou que o substituto de Fábio Vilas-Boas será anunciado nos próximos dias, mas que, interinamente, a Sesab será conduzida pela subsecretária Tereza Paim.
Depois do anúncio do governo, o ex-secretário também informou que entregou o cargo nas redes sociais.
Na manhã desta terça, ao G1, o governo havia informado que não ia se manifestar sobre a situação. No entanto, por volta do meio dia, a gestão voltou atrás e emitiu uma nota em que afirma lamentar a agressão verbal.
“Por meio da Secretaria de Comunicação, o governo do estado afirma lamentar o episódio, considera inadmissível qualquer tipo de agressão e manifesta total solidariedade à empresária Angeluci Figueiredo e a todas as mulheres”, disse a nota.
Ainda nesta terça, o Jornal Correio da Bahia divulgou um vídeo que mostrava o secretário pulando o portão do restaurante Preta. Nas imagens, Fábio Vilas-Boas estava com a máscara presa no queixo.
A ofensa foi feita no domingo (1º), depois que a chef comunicou a Vilas-Boas que a reserva feita por ele, para o restaurante que fica na Ilha dos Frades, na Baía de Todos-os-Santos, em Salvador, teria que ser cancelada, por causa do tempo chuvoso na capital baiana. [Veja detalhes abaixo]
O xingamento foi feito por uma mensagem de texto em um aplicativo. No dia seguinte, após a repercussão do caso, o secretário chegou a pedir desculpas à chef e às pessoas que “se sentiram ofendidas”, por meio de sua conta em uma rede social.
Agressão verbal
No último final de semana, a Capitania dos Portos recomendou a restrição de navegação na Baía de Todos-os-Santos, por causa da instabilidade do tempo e das variações do vento, o que causa má condição de navegação. Por causa da mesma recomendação, a travessia Salvador-Mar Grande também foi suspensa.
Diante da orientação da Marinha, a chef Angeluci optou por não abrir o restaurante e cancelar o atendimento. Com o cancelamento da reserva, o secretário de Saúde então passou a ofendê-la por mensagens.
“Esqueça de me ver de novo aqui. E ainda paguei R$ 350 para desembarcar. “Amigo o caralho! Vagabunda”, escreveu ele.
Depois de sofrer a agressão verbal, a chef Angeluci questionou a postura agressiva do secretário e os xingamentos.
“O que o autoriza, no exercício de uma função pública das mais relevantes do estado – a de secretário de Saúde do Estado da Bahia e, durante uma pandemia, o que torna a sua função sinhá mais responsável – chamar uma mulher de VAGABUNDA?”, disse Angeluci.
“Os tempos mudaram, secretário: inexistem contextos que justifiquem essa relação de senhorio e vassalagem. Eu não sou vagabunda. Sou uma mulher digna, honrada, profissional, empresária, geradora de empregos e com uma árdua rotina de trabalho, física, inclusive, para realizar um sonho e um projeto de oferecer aos meus clientes um serviço de qualidade”.
Angeluci também identificou o posicionamento de Vilas-Boas como misógino. Misoginia é a palavra usada para determinar a relação de ódio de homens, com relação às mulheres.
“O senhor sabe o que é ser misógino, secretário? Sabemos que sim, o senhor sabe. Mas sabemos que nesse país ninguém é racista, ninguém é misógino. Aqui não há nunca vítimas, só ‘vitimismo’ e ‘mimimi’, afinal devemos garantir que autoridades se sintam à vontade para sacar o telefone e chamar uma mulher de vagabunda, simplesmente porque pode, porque um desejo foi frustrado pelo tempo”.
A chef também questionou se o secretário chamaria o dono de um restaurante de “vagabundo”, caso a mesma situação ocorresse com um homem branco. Angeluci é uma mulher negra.
“O senhor sabe que não sou vagabunda, não sou irresponsável, não vivo de mesada de quem quer que seja e que, diferentemente do que o senhor me escreveu, eu preciso trabalhar”, disse a chef.
Notas de repúdio
A Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Bahia (OAB-BA) e a Comissão da Mulher Advogada da OAB-BA divulgaram uma nota de repúdio contra o secretário de saúde do estado.
“Utilizando-se de aplicativo de mensagens, o referido agente público destilou machismo e misoginia contra uma mulher, negra, trabalhadora, ofendendo-a na sua honra, proferindo palavras de baixo calão e ameaças de exposição pública”, disseram em nota.
O governador Rui Costa não se posicionou publicamente sobre a situação. A Secretaria de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT), da qual ele faz parte, no entanto, também repudiou a agressão. Confira a nota na íntegra:
“A Secretaria de Mulheres do PT da Bahia vem a público prestar solidariedade à empresária Angeluci Figueiredo, que recentemente foi vítima de agressão verbal pelo secretário de Saúde do Estado, Fábio Villas Boas, em um ato que demonstra desrespeito, racismo, misoginia e machismo! O fato ocorrido traz para o centro problemas estruturais que fazem vítimas todos os dias em nosso estado e em nosso país, do qual nós, mulheres, somos obrigadas a lidar em nosso cotidiano, seja no campo pessoal ou profissional. Portanto, repudiamos atitudes como esta, sobretudo quando praticadas por gestor público, que tem o dever de combater todo o tipo de opressão. Fatos como este não podem repercutir apenas com pedidos de desculpas, mas, sobretudo, que sirva de exemplo para que não seja mais reproduzido! No projeto de sociedade que defendemos nunca coube e não cabe nenhum tipo de opressão e violência. Silenciadas nunca mais!”.