Anvisa aponta risco de tromboembolismo venoso até seis vezes maior em mulheres que usam pílulas. Ginecologista explica que uso contínuo do remédio pode ter impactos negativos, mas que há muitos fatores positivos quando usado com acompanhamento médico.
A autônoma Alannes Siqueira Badaró, de 23 anos, carrega várias sequelas de uma trombose que desenvolveu no olho direito devido ao uso de pílula anticoncepcional. Em entrevista ao g1, a jovem de Santos, no litoral de São Paulo, afirmou que usou o método contraceptivo por cinco anos. Anvisa aponta que mulheres que usam pílulas têm risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso do que mulheres que não fazem uso do remédio, mas que mesmo assim os riscos são pequenos (leia mais ao final da matéria).
Alannes conta que começou a tomar a pílula anticoncepcional aos 14 anos, porque tinha muitas espinhas e foi orientada a começar o uso do remédio por ginecologistas. De acordo com ela, na época, não foi informada dos possíveis efeitos colaterais do método contraceptivo.
“Os médicos me orientaram a usar porque regularia os meus hormônios. Eu tomava desde os 14 anos, e com 19 tive a trombose no olho. No dia que aconteceu, eu tinha acabado de acordar, estava mexendo no celular, ainda na cama, e senti um incômodo no olho, como se tivesse areia. Ao coçá-lo com as duas mãos, passou o desconforto, mas cinco minutos depois, minhas duas vistas escureceram, como se eu estivesse cega”.
Alannes relata que a sensação durou cerca de dois minutos, e ela entrou em desespero, porque não sabia o que estava acontecendo. “Quando passou, minha visão voltou, mas meu olho direito ainda parecia que tinha um plástico, uma sujeira”, conta. Ela levantou e lavou o olho, mas no espelho não conseguia ver nada aparente.
A jovem relatou à mãe o ocorrido e marcou uma consulta de emergência com uma oftalmologista. Alannes fez uma série de exames, e a médica perguntou se ela tinha diabetes ou pressão alta. A autônoma respondeu que não, e explicou o que estava sentindo.
“Eu relatei que era como se eu visse uma sujeira no olho, de cor meio avermelhada. A médica, então, perguntou se eu tomava anticoncepcional. Quando eu disse que sim, ela arregalou os olhos e falou para eu parar de tomar imediatamente, porque eu sofri uma trombose ocular vítrea, e aquele plástico que eu dizia ver era uma veia do meu olho que havia estourado. A cor avermelhada era devido ao sangue. Entrei em desespero, fiquei em choque”, diz.
Após ser encaminhada a um hematologista, ela passou a regular a alimentação e fazer exercícios físicos, além de parar com o remédio. “Os novos exames realmente constataram a trombose. Na época, logo após isso, eu não conseguia enxergar direito. E, apesar de o médico ter orientado a mudança nos hábitos, ele não me passou nenhum remédio, e até hoje sinto o desconforto no meu olho, a cicatriz da trombose. Depois disso, não usei mais a pílula”, explica.
Prós e contras do anticoncepcional
O ginecologista Bruno Zaher explica que, historicamente, a pílula anticoncepcional deu o direito à mulher escolher quando engravidar, e também de não menstruar.
“Ela teve um papel histórico fundamental na evolução do feminismo, do direito de decidir sobre o próprio corpo. E hoje, ainda há aplicações para a pílula, como para mulheres que não se dão bem com o DIU, que não se dão bem com métodos de longo prazo, que têm fluxo muito intenso, não querem menstruar ou, eventualmente, até para o controle da síndrome do ovário policístico”, diz.
Mas, de acordo com Zaher, é muito importante que o profissional avalie a condição de cada paciente, e saiba se ela tem pré-disposição genética à trombose, alguma contraindicação formal, ou se é tabagista, fatores que podem prejudicá-la se fizer o uso da pílula. “Tem mulher que acaba se beneficiando mais com o uso da pílula, quando, por exemplo, tem um sangramento muito intenso, e acaba não se dando bem com o DIU hormonal”, afirma.
Mesmo sem possuir os fatores considerados de risco para o uso do método, o médico afirma que há riscos de a mulher sofrer efeitos colaterais, como retenção hídrica, aumento de cansaço e menor desejo de fazer atividade física, diminuição da libido, dores de cabeça e aumento de riscos de ter trombose.
“É difícil dizer que a pílula só tem malefícios. Ela tem benefícios, ainda, mas individualmente, para cada mulher. O médico precisa avaliar se há mais riscos ou mais benefícios. Porque, mesmo que a mulher não tenha trombofilia, a pílula com estrogênio aumenta mais ou menos de três a seis vezes o risco de uma trombose venosa. E quando falamos de trombose arterial, que é um pouco mais grave, a pílula pode aumentar em até duas vezes a chance de ter”, diz.
Para a mulher que opta por não tomar a pílula, o ginecologista afirma que há outros métodos contraceptivos, hormonais e não hormonais, como o DIU. O ginecologista afirma que o uso indiscriminado da pílula, sem orientação médica, não deve ocorrer.
“Em hipótese alguma qualquer mulher pode usar qualquer pílula. Não pode jamais usar aquela que leu na internet, indicação de amigo. É o médico que deve avaliar e indicar. Uma mulher que é tabagista não deveria usar esse método, assim como uma que teve trombose”, destaca.
Trombose no olho
O oftalmologista Celso Afonso Gonçalves explica que a pílula anticoncepcional, associada a outros fatores, pode realmente causar a trombose no olho. “Quando falamos dessa trombose, estamos falando do entupimento de uma das veias do olho. Isso é mais raro de acontecer com alguém jovem, normalmente ocorre mais com idosos”, explica.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mulheres que usam anticoncepcionais contendo drospirenona, gestodeno ou desogestrel (caso das pílulas) têm um risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso, em um ano, do que as mulheres que não usam contraceptivos hormonais combinados.
Segundo a agência reguladora, mesmo assim, até o momento, os benefícios dos anticoncepcionais na prevenção da gravidez continuam a superar seus riscos. Além disso, os riscos de eventos como trombose envolvendo todos os contraceptivos orais combinados é conhecidamente pequeno.
De acordo com a Anvisa “antes do início do uso de qualquer contraceptivo, deve ser realizado minucioso histórico individual da mulher, seu histórico familiar e um exame físico incluindo determinação da pressão arterial. Exames das mamas, fígado, extremidades e órgãos pélvicos, além do Papanicolau devem ser conduzidos”.
Esses exames clínicos precisam ser repetidos pelo menos uma vez ao ano durante o uso de medicamentos contraceptivos.
Apesar dos riscos, Gonçalves explica que as pílulas melhoraram muito com relação às primeiras produzidas para uso. “E mesmo sendo tabagista passiva, ou seja, quando alguém da casa fuma, a chance também aumenta. Ser hipertenso também é um fator de risco, e muitos jovens, às vezes, são hipertensos, mas são assintomáticos”, destaca.
Ainda de acordo com o oftalmologista, a trombose no olho não dá aviso prévio, ou seja, não há sintomas que o antecedem. “É uma baixa da visão súbita, e a intensidade depende de em qual veia ocorreu a trombose. Se for uma veia mais importante, a sequela é maior. E a trombose no olho pode causar desde o defeito visual leve até a cegueira. Tendo os sintomas, é preciso ter acompanhamento de especialista o mais rápido possível, para tratamento e para haver a menor sequela possível”, finaliza.
Atualmente, o tratamento, segundo Gonçalves, é feito via medicação oral, com anticoagulantes, e local, de duas formas – ou com aplicações de raio laser ou com infusão de remédios dentro do olho.
Fonte: G1