Desemprego, informalidade e precarização do mercado de trabalho estão entre principais desafios
Com quase 20% da força de trabalho – a partir dos 14 anos, e sem limite mais de idade – na busca por uma colocação profissional, a Bahia encerrou 2021 com a segunda maior taxa de desocupação do país (19,5%), só perdendo para Pernambuco (19,9%). O número é inferior ao registrado em 2020 (20,3%), porém mais alto do que o apurado antes da pandemia, em 2019, de 17,4%.
A média nacional é 13%. No Brasil, 40% dos trabalhadores estão na informalidade. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Hoje, 1º de Maio, trabalhadores em várias cidades do país voltam às ruas para protestar por mais emprego, salário, direitos, dignidade. Organizado por centrais como Força Sindical, CUT, UGT, CTB, o ato, em Salvador, acontece no Farol da Barra ao longo do dia. Na pauta, o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, auxílio emergencial de R$ 600, o direito à vida, a defesa da democracia.
No interior, há programação prevista para acontecer em Juazeiro, Feira de Santana, Barreiras, Jequié, Irecê, Itamaraju, Paulo Afonso, Alagoinhas, Vitória da Conquista, Caetité, Itabuna, Camaçari, Senhor do Bomfim, Itaberaba e Santo Antônio de Jesus.
Supervisora de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros conta que os números do estado relativos à taxa de desocupação “são altos” até mesmo comparados com o do restante do país. Segundo ela, uma “conjunção de fatores” explicaria a causa.
“É um mercado estruturalmente com dificuldade de oferta e de atender a demanda. Falta vaga, mas falta também qualificação. Há desafios a serem superados, pois o mercado de trabalho é um espelho de como anda a saúde, o dinamismo da atividade econômica (do lugar). São questões que não se conseguem resolver de forma tão rápida”, explica.
Mariana conta que a saída da Ford e a pandemia contribuíram para um grande “baque” na indústria baiana. Mas que setores como serviços, agronegócio, turismo e o comércio trabalham com “indicadores de recuperação”. “Agora é ver o ritmo da recuperação, e a qualidade dos postos de trabalho que vão surgir”.
“Legislação devastada”
Professor titular de sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor traduzido em mais de dez países, Ricardo Antunes diz que o problema do desemprego no Brasil passa por um “projeto de economia destrutivo em relação ao trabalho”.
“Que beneficia somente grandes corporações, através da privatização, do incentivo ao lucro. Em contrapartida, e historicamente, mas especialmente a partir do governo (Michel) Temer, desenvolveu-se um monumental processo de devastação da legislação trabalhista”, fala Antunes.
“A contrarreforma de Temer legalizou o trabalho intermitente, a informalidade. Um modelo neoliberal, capital, onde o emprego que existia antes está desaparecendo. Somado a um quadro político desastroso, chegamos a um cenário de destruição de tudo o que foi conquistado ao longo do século 20. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) está em frangalhos, e o resultado é que a renda vem caindo drasticamente”, afirma.
Em artigo publicado na página da entidade, o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, diz que a “reforma trabalhista retirou direitos e gerou desemprego”. Torres elenca medidas “nefastas” que, na opinião dele, precisam ser revistas. Entre elas, o “contrato com jornada de zero hora sem salário (intermitente)”.
Presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon), Gustavo Pessoti ressalta que, apesar dos últimos dois anos de pandemia terem causado sérios “danos econômicos”, a situação do desemprego no estado é alarmante já tem bastante tempo.
“Enfrentamos esse problema ao longo da década. O crescimento econômico da Bahia tem sido insuficiente para gerar a absorção da população no mercado de trabalho, então não é um fenômeno pontual”.
“E isso revela uma necessidade de repensar estratégias econômicas. Nós precisamos de um novo projeto de desenvolvimento, a atração de investimentos é muito importante para isso, mas você precisa atrair e efetivar, principalmente, investimentos que sejam intensivos e de mão de obra”, diz.
Procurada por meio de e-mails e telefone para falar sobre políticas públicas para o enfrentamento da questão do desemprego, a assessoria de imprensa da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) não respondeu à reportagem.
“O governo federal nesse momento joga um papel extremamente negativo, usando um remédio amargo e errado demais. Essa elevação da taxa de juros não vai inibir o custo da energia de subir, ou diminuir o preço do barril do petróleo, que estão aumentando os preços dos produtos. É necessário reestimular os investimentos produtivos, porque sem eles não voltamos a ter crescimento econômico, nem aumento de geração de emprego e nem aumento da arrecadação”, explica Gustavo Pessoti.
Para o economista, reduzir as taxas de juros é uma atitude urgente. “Com esses juros estamos voltando a estimular o mercado financeiro com os CDBs (Certificados de Depósito Bancário), renda fixa, enquanto o brasileiro está com fome, desempregado e precisando de uma reativação econômica que não acontece”, afirma.
Perda de direitos
Ainda de acordo com o presidente do Corecon, a reforma trabalhista contribuiu em especial com a precarização, pois “vieram (junto com a previdenciária) em um momento em que a economia dava claros sinais de patinação”. “Feita desse jeito, tende a provocar precarização da força de trabalho em um ambiente que já tem uma taxa de desemprego forte e um crescimento aquém do nosso PIB (Produto Interno Bruto) potencial”, fala Pessoti.
A atual conjuntura assusta até profissionais empregados. “É uma queixa geral, as pessoas empregadas estão com os salários muito baixos até para necessidades básicas, e pensando no investimento feito em graduação, especialização, e que não estão tendo retorno”, diz a psicóloga e consultora em desenvolvimento humano e organizacional, Simone Carvalho.
“Com a CLT menos forte e a perda de direitos, vê-se um trabalhador muito fragilizado. E se ele precisa do trabalho para sobreviver, não tem nem opção de escolha. Por isso mesmo, as classes menos favorecidas são as que mais sofrem com toda essa precarização”, afirma.
*Com supervisão da editora Cassandra Barteló