Corrida eleitoral mais curta desde 1994 estimulou candidatos a adotarem estratégias agressivas na disputa ao Planalto. Campanha foi marcada por ataques mútuos e busca pelo voto dos indecisos.
O resultado da eleição para presidente da República neste domingo (2), divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmou a polarização da campanha. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) vão definir a disputa no segundo turno.
O resultado foi confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 21h25, quando 96,93% das urnas já tinham sido apuradas. Àquela altura, Lula tinha 47,85% dos votos válidos, e Bolsonaro, 43,7% dos válidos.
Por esses números, nenhum dos dois candidatos poderia vencer em primeiro turno, o que acontece quando o candidato à Presidência supera os 50% de votos válidos.
Lula e Bolsonaro terão mais três semanas de embates pela frente. A votação do segundo turno será no dia 30 de outubro.
A campanha do primeiro turno, por lei, teve 46 dias, a mais curta desde 1994.
Desde o princípio, em 15 de agosto, Lula e Bolsonaro já despontavam como os únicos candidatos com chances reais de segundo turno, reeditando a polarização de 2018.
Ao longo dos últimos quase 50 dias, o candidato do PT e o do PL centraram esforços em consolidar as suas bases e buscar votos dos indecisos e da chamada terceira via. As estratégias das duas campanhas passaram por ataques mútuos nas propagandas de rádio e TV, nos comícios e nos debates.
Relembre os pontos-chave da campanha no primeiro-turno:
Votos dos mais pobres
Uma das principais áreas de disputa entre Lula e Bolsonaro foi o voto dos eleitores mais pobres.
Bolsonaro se empenhou para conseguir aprovar no Congresso a chamada PEC Eleitoral, ou PEC Kamikaze, a tempo de pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 ainda em agosto.
A PEC instituiu um estado de emergência, sob a justificativa da disparada do preço de combustíveis em razão da guerra na Ucrânia. A medida foi adotada com o objetivo de alterar a lei eleitoral e permitir o aumento do benefício social às vésperas da eleição. Em janeiro de 2023, o valor do auxílio passa a ser R$ 400 novamente.
Nos comícios e falas públicas, Bolsonaro buscou ressaltar que cuida dos mais pobres e que paga de benefício um valor mensal maior do que o do Bolsa Família, programa criado na época do governo de Lula.
“Eles não pensam nos mais pobres. Só pensam em época de eleição, para tirar o voto daqueles mais necessitados”, disse o presidente no dia 17 de setembro, em ato de campanha no agreste de Pernambuco, terra natal de Lula.
“Nosso governo atendeu aos mais necessitados e aos mais humildes. Hoje não tem mais Bolsa Família, tem Auxílio Brasil e o valor é de no mínimo R$ 600”, completou Bolsonaro.
Lula também tem prometido a manutenção de benefícios para os mais necessitados. A argumentação do petista é que ele tem mais experiência e mais vocação para políticas sociais do que Bolsonaro.
Em um comício em São Paulo no dia 10 de setembro, Lula afirmou que os benefícios concedidos às vésperas das eleições não “comprariam a consciência de 215 milhões de brasileiros”.
“A quantidade de dinheiro que ele [Bolsonaro] está gastando, a quantidade de coisa que ele está tentando fazer… O tal do salário emergencial de R$ 600 até dezembro. O dinheiro para taxista, o dinheiro para motorista. Ah, está reduzindo combustível. Tudo com medo que a gente ganhe […] Se cair um dinheirinho na conta de vocês, peguem e comam. Senão, ele toma”, afirmou o ex-presidente.
‘Guerra santa’
Durante a campanha, os candidatos também disputaram o voto dos evangélicos. De acordo com o blog do Valdo Cruz, em agosto, a campanha de Lula avaliou que, para ganhar em primeiro turno, o candidato do PT teria que reverter o eleitorado evangélico.
Em seu primeiro ato de campanha, no ABC Paulista, Lula acenou para evangélicos e chegou a dizer que Bolsonaro era possuído pelo demônio.
“Você [Bolsonaro] não tem amor, uma única lágrima para as 680 mil pessoas que morreram de Covid. Você nunca se preocupou em saber quantas crianças estão órfãs, porque você é negacionista. Você não acredita na ciência. Você não acreditou na medicina. Você não acreditou nos governadores. Você não acreditou na medicina. Você acreditou na sua mentira. Porque se tem alguém que é possuído pelo demônio é esse Bolsonaro”, firmou Lula na ocasião.
No entanto, posteriormente, o candidato do PT disse que não fazia parte de sua cultura política estabelecer qualquer princípio de “guerra santa” e, em ato com evangélicos, afirmou que ninguém deveria usar o nome de Deus para ganhar voto.
Bolsonaro fez do discurso religioso uma das bandeiras de sua campanha. O candidato do PL à reeleição investiu em em suas falas públicas em temas caro a setores de grupos evangélicos, como a condenação do aborto.
“Nós todos juntos resgatamos os nossos valores, o nosso patriotismo, a nossa liberdade e a nossa fé. E tem coisas que são muito caras pra todos nós. [Proibição do] Aborto, ideologia de gênero, drogas, propriedade privada e família. Tenho certeza que este país chamado Brasil continua sendo a terra prometida. Um pedaço do paraíso nesse imenso globo”, disse Bolsonaro em um ato com evangélicos no dia 15 de setembro.
Evangélica, Michelle Bolsonaro ajudou Bolsonaro a se aproximar desse eleitorado. A primeira-dama participou de vários eventos da campanha ao lado do marido. O Tribunal Superior Eleitoral mandou tirar do ar uma propaganda eleitoral em que a Michelle aparecia acima do percentual autorizado pela legislação.
Corrupção
Bolsonaro buscou colar no rival a imagem de corrupto. Um dos principais motes da campanha do presidente foi dizer que nunca houve tanta corrupção no país quanto nos governos petistas.
O tom de Bolsonaro ao longo do primeiro turno foi usado por ele na reta final, no debate da TV Globo, nesta quinta-feira (30).
“Nós não podemos voltar à fase que éramos há pouco tempo, onde era uma cleptocracia, a roubalheira imperava no nosso país. O governo Lula foi o chefe de uma grande quadrilha, dezenas de delatores devolveram R$ 6 bilhões para pegar uma pena menor. Não podemos continuar no país da roubalheira”, disse Bolsonaro na ocasião
Lula tem respondido a essas acusações com a argumentação de que nos governos petistas, mais do que em qualquer outro, foram criadas leis de combate à corrupção e de aprimoramento da fiscalização.
No debate da Globo, Lula também rebateu Bolsonaro citando escândalos de corrupção envolvendo o governo do presidente ou os filhos da família Bolsonaro.
“Ele falar que eu montei quadrilha, com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de 100 anos, com a rachadinha da família, do Ministério da Educação com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele. Saber o que foi a quadrilha da vacina, o oferecimento de US$ 1 por cada vacina importada. Isso não sou eu que disse, é a CPI que está dizendo”, respondeu Lula.
Reta final
Na reta final antes do 1º turno das eleições, Lula e Bolsonaro disputaram os votos que poderiam ir para os nomes da chamada “terceira via” – Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe d’Avila (Novo). A busca por esses eleitores se deu após as pequisas de intenção de voto mostrarem um cenário desfavorável de 2º turno para esses candidatos.
O Datafolha divulgou no sábado (1º) sua mais recente pesquisa, e os dados apontaram que Lula e Bolsonaro seguiam despontando na preferência do eleitor, com 48% e 34%, respectivamente. Já Ciro, Tebet, Soraya e d’Avila apresentaram uma evolução tímida de votos, mas nada que pudesse sugerir uma ida ao 2º turno das eleições.
Assim, a campanha de Lula focou, nos últimos dias, em tentar “virar os votos” desse eleitorado, sob a justificativa do voto últil – aquele em que o eleitor vota de forma estratégica em um candidato que não necessariamente é a sua primeira opção. A intenção é eliminar as chances de um nome que o eleitor não concorda de disputar um eventual 2º turno.
No caso da campanha de Bolsonaro, a aposta foi pela “pulverização” do voto útil, aumentando a margem de votos que ele precisaria para garantir o segundo turno.
Fonte: G1