O aumento do número de casos de zika vírus, doença transmitida por mosquitos do gênero Aedes, o mesmo transmissor da dengue e chikungunya, acende um alerta para a população baiana, que registrou uma diferença considerável de prováveis casos nos primeiros sete meses do ano em relação ao mesmo período de 2022. De 1º de janeiro ao último dia 7, 1.689 notificações foram contabilizadas na Bahia, o que representa um incremento de 81,4% em comparação ao ano passado, quando foram registrados 931 casos. A situação liga um alerta na Saúde em relação à possibilidade de registros de novos casos de microcefalia em fetos, demandando maior cuidado em relação às gestantes.
De acordo com o último boletim de arboviroses da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), 125 municípios registraram notificação para zika, sendo que seis apresentaram coeficientes de incidência maior ou igual a 100. São eles: Itapé (204,8), Macajuba (203,2), Ituberá (187), Vera Cruz (151,6), Piripá (126,8) e Barra da Estiva (104).
A situação epidemiológica da doença no estado é reflexo da pandemia de covid-19, que recebeu atenção especial da comunidade médica nos últimos três anos. É o que aponta o virologista e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Gúbio Soares Santos, pesquisador responsável por detectar o primeiro caso da doença no Brasil ao lado da também virologista Silvia Inês Sardi.
“O aumento de casos está relacionado com efeito da falta de controle por causa da pandemia. Durante a pandemia, não se fez nenhum estudo ou sabia o número de casos de zika vírus ou de qualquer arbovirose. Então, agora em 2023, está sendo feito um controle, está se notificando os números de casos e a tendência é ver o aumento do número de casos, porque nos anos anteriores, por causa da pandemia, isso não foi feito”, pontua Gúbio.
Este fator também influencia a maior incidência nas cidades do interior, “onde o número de casos em 2020, 2021 e 2022 não foram notificados por causa da preocupação da pandemia”. “A doença covid mobilizou todo o sistema de saúde, voltado somente para a covid”, complementa.
O CORREIO procurou as prefeituras das cidades com os maiores coeficientes de incidência de zika, com o intuito de saber quais medidas estão sendo tomadas para o combate à proliferação do mosquito. Até a publicação da reportagem, não havia respostas.
Em Salvador, o número de casos notificados de zika também apresentou um aumento neste ano. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a capital registrou 28 prováveis casos no primeiro semestre do ano passado (de 3 de janeiro a 17 de junho de 2022), enquanto 591 foram registrados no mesmo período deste ano.
“Este aumento não quer dizer que sejam casos instalados. A partir desta nova normatização do Ministério da Saúde, passamos a notificar todo caso suspeito, o que justifica esse aumento”, explica a secretária municipal de Saúde, Ana Paula Matos.
“Nosso trabalho é identificar com rapidez as áreas com maior registro, localizar efetivamente algum caso confirmado e fazer as atividades de inspeção e eliminação de criadouros. Mas também temos o dever de fazer esse alerta social para conscientizar a população sobre a importância de atuarmos juntos. Estamos trabalhando, nossos agentes estão atuando nas ruas e de casa em casa, mas para maior efetividade é importante a união de todos”, concluiu ela, que também é vice-prefeita da capital.
O vírus
O vírus da zika (ZIKV) é conhecido por causar febre, dores musculares e articulares, erupção cutânea, conjuntivite, mal-estar e/ou dor de cabeça. Geralmente, os sintomas duram entre de dois a sete dias. O diagnóstico da doença é clínico e confirmado por meio de exames laboratoriais de sorologia e biologia molecular.
A promotora de vendas Ingrid Brito, 26 anos, teve a experiência de ser infectada pelo vírus duas vezes. Em 2018, ela apresentou dores de cabeça e no corpo, febre, vômito, inchaço e dores nas articulações. Os sintomas duraram sete dias, mas foram mais intensos nos cinco primeiros. “Não consegui trabalhar pelo fato de sentir dores nas articulações e estar um pouco inchada”, relata.
No início deste ano, Ingrid precisou ser internada por um quadro de infecção e descobriu, pela segunda vez, que havia sido infectada pelo Aedes, o que é considerado raro por cientistas. O diagnóstico de zika aconteceu novamente por meio de um exame de sangue.
Ainda conforme o professor Gúbio, não existe um tratamento específico para a doença. O método utilizado é o acompanhamento clínico feito por médicos. Além disso, o especialista ressalta a importância de o paciente não tomar medicação por conta própria, mas procurar um posto de saúde para receber as orientações.
Preocupação com gestantes
Um dos pontos mais preocupantes sobre o aumento de casos da doença é justamente a infecção de mulheres grávidas. No primeiro trimestre de gestação, o vírus pode causar microcefalia ao feto e, após este período, trazer outras consequências ao bebê.
A médica infectologista Áurea Paste, coordenadora da Residência de Infectologia do Instituto Couto Maia (Icom), considera a situação como “muito preocupante”. “Pode, sim, aumentar novamente os casos de microcefalia. Então, é importante a prevenção da mulher, em idade gestacional, no início de gravidez ou com possibilidade de engravidar, não se expor em áreas que se expõe mais ao mosquito, usar repelentes, usar roupas longas para proteção, principalmente, no primeiro trimestre no início da gravidez e também durante toda a gravidez porque o vírus zika – ainda não está comprovado – mas parece que ele pode causar doença também em adultos suscetíveis a danos cerebrais”, comenta ela.
A microcefalia é uma malformação grave em que a cabeça do bebê é menor do que o habitual. Segundo Áurea Paste, isso geralmente acontece porque o vírus causa lesão, a grosso modo, dos neurônios do feto, o que leva a um processo inflamatório.
De acordo com a Sesab, a Bahia não registrou casos de microcefalia nem em 2022, nem no primeiro semestre de 2023. No entanto, a coordenadora de doenças de transmissão vetorial da Vigilância Epidemiológica do Estado, Sandra Oliveira, alerta sobre os cuidados necessários.
“Apesar de não haver motivo para um pânico, é importante sempre estar em alerta, em virtude da possibilidade de mulheres em período gestacional, principalmente o primeiro trimestre, serem infectadas com o vírus Zika. Com isso, faz-se necessário as medidas de prevenção a exemplo de: uso de repelentes recomendados pelo médico; acompanhamento pré-natal regular, para avaliação periódica da saúde da gestante e do feto, bem como a realização de triagem sorológica de rotina; controle e tratamento de doenças maternas, como hipertensão, diabetes mellitus, entre outras; uso de roupas de mangas compridas, calças, mosquiteiros e telas”, recomenda.
Sem novidades, a única maneira de controlar o número de casos de zika é a manutenção de campanhas de saúde, colocando mais agentes nos bairros, com mais propagandas de educação. “Só assim para controlar a nova onda de arboviroses. Lembrando que passamos quase três anos sem controle. O verão foi intenso, há uma mudança de temperatura, etc, e isso leva a propagação de mais mosquitos”, disse Gúbio.
Outras arboviroses
Além dos dados sobre a zika, o mais recente Boletim Epidemiológico da Sesab traz informações sobre a dengue e a chikungunya, também arboviroses, ou seja, doenças causadas por vírus transmitidos, sobretudo, por mosquitos.
De acordo com o Boletim, entre janeiro e a primeira semana de agosto foram notificados 39.896 casos prováveis de dengue no estado, o que equivale a um crescimento de 28,3% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram notificados 31.102 casos prováveis.
Ao todo, 24 municípios estão em situação epidêmica de dengue na Bahia. São eles: Acajutiba, Alagoinhas, América Dourada, Camaçari, Conceição do Almeida, Esplanada, Feira de Santana, Gandu, Ipiaú, Iraquara, Itagi, Jandaíra, Lagoa Real, Lauro de Freitas, Macajuba, Novo Horizonte, Ouriçangas, Porto Seguro, Rio Real, Rodelas, Salvador, Santa Cruz Cabrália, Santo Antônio de Jesus e Uruçuca. Até o momento, há 10 óbitos por dengue confirmados este ano.
Já em relação à chikungunya, foram registrados 13.778 casos prováveis na Bahia. No mesmo período de 2022, foram notificados 16.687 casos prováveis, o que representa uma redução de 17,4%. Este ano, foi registrada uma morte pela doença no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Semana de combate ao mosquito
Entre esta segunda-feira (14) e a próxima sexta (18), o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), órgão vinculado à SMS, realizará a ‘Semana Municipal de Mobilização contra o Aedes aegypti’, iniciativa que vai promover atividades de combate ao mosquito em bairros estratégicos da capital.
Entre as atividades programadas em campo, estão a sala de espera em postos de saúde, com orientações aos pacientes para os cuidados com as arboviroses; inspeção e controle vetorial em clínicas particulares, órgãos públicos e estações de transbordo; ação chaveiro em parceria com a Guarda Civil Municipal; reavaliação de imóveis focados; atividades com acumuladores de materiais inservíveis em parceria com a Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre) e mutirões de eliminação de focos em bueiros e nas ruas.
A intensificação da propagação de informações de forma lúdica e orientada também é o foco da Semana de Mobilização. Nela, os estudantes de escolas municipais receberão feiras de exposição com a participação de fantoches para explicar como evitar o processo de reprodução dos mosquitos. Acontecerá também a realização de feira de saúde focada em Zoonoses, com uma mostra de diversos processos evitáveis para a proliferação do Aedes.
*Colaborou Raquel Brito.
Fonte: Correios